Um dia precisei usar uma cadeira de rodas no shopping. Aquelas cadeiras motorizadas, moderninhas, mais parecem uma motocicleta. Estava com meus dois filhos pequenos, o menor foi de "carona" na cadeira, na minha frente, segurando-se no volante. Minha experimentação com a cadeira foi estranha. Utilizei-a porque precisava, mas em qualquer situação eu me levantaria e sairia caminhando. Foi estranho porque pude observar que os olhares das pessoas sobre mim eram olhares de piedade. Não era uma impressão minha, até ouvi alguém falando "coitada, e com filho pequeno". Eu estava ali desfrutando daquele conforto para meu momento delicado, mas na verdade só pensava em como os cadeirantes vivem. Além do "olhar de piedade", a localização abaixo da altura da maioria das pessoas também desfavorece. Nas lojas a minha presença parecia um incômodo: espaçosa, necessitando pedir licença para escolher itens.
Tratar o tema das deficiências ou das diferenças físicas entre as pessoas vai além do exercício da empatia e da acolhida. Nâo podemos ser simplistas e levianos ao falarmos somente sobre as questões de acessibilidade e inclusão. Em nosso dia dia lidamos com as diferenças da maneira mais dura: enfrentando-as. Sequer deveríamos utilizar o verbo "enfrentar", pois precisamos "conviver". Repetimos o discurso de que a diversidade é boa e saudável, mas na prática, os "diferentes" são constantemente testados em nossa incapacidade de lidar com o que não segue os "padrões". A maneira como, conscientemente ou inconscientemente, amenizamos a deficiência com o intuito de compensar a falta de alguma habilidade que a pessoa possa vir a apresentar é um grande desafio.
Na sala de aula, em nossas relações pessoais, no trânsito, no comércio, encontramos pessoas que apresentam suas "diferenças" ou "deficiências", mas na verdade têm o desejo (íntimo ou não) de que não déssemos destaque a esta diferença. Gostariam de ser tratadas como se não carregassem esse "fardo" e tivessem uma "vida normal".
No aprendizado das pessoas com deficiência as abordagens precisam ser, muitas vezes diferenciadas para proporcionar acessibilidade, será que não prefeririam receber os mesmos trabalhos e avaliações para, perante seus "iguais" desenvolverem as mesmas habilidades? Ou preferem que, pelas mesmas questões de acessibilidade, tenham um tratamento diferenciado e focado em suas necessidades?
Observo que os desejos, os anseios e as vontades desses alunos não aparecem tanto, são velados, exceto seu enorme desejo de interação social. Creio que, ao lidarmos com as diferenças, uma maneira de promover igualdade seria escutar, desnudos de nosso papel de educadores (e vestidos de humanos) os desejos dessas pessoas e como poderíamos ajudá-los a "atravessar a ponte do castelo" ao mesmo tempo que nos ajudam a "tirar a cabeça do buraco". Definir nós mesmos e os outros, pois as diferenças existem e precisam ser debatidas.
Andar de cadeira de rodas é um passeio a uma realidade que dói, que prospera em preconceitos e que vela pensamentos e mitos que só mascaram o que realmente teríamos de escutar: os deficientes.
REFERÊNCIA:
AMARAL, L. A. . Sobre Crocodilos e Avestruzes: Falando de Diferenças Físicas, Preconceitos e Sua Superação. In: Aquino, Júlio G.. (Org.). DIFERENÇAS E PRECONCEITO NA ESCOLA. São Paulo: Summus, 1998, v. , p. 19-38.
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