sábado, 30 de setembro de 2017

UM PASSEIO AO PRECONCEITO

Um dia precisei usar uma cadeira de rodas no shopping. Aquelas cadeiras motorizadas, moderninhas, mais parecem uma motocicleta. Estava com meus dois filhos pequenos, o menor foi de "carona" na cadeira, na minha frente, segurando-se no volante. Minha experimentação com a cadeira foi estranha. Utilizei-a porque precisava, mas em qualquer situação eu me levantaria e sairia caminhando. Foi estranho porque pude observar que os olhares das pessoas sobre mim eram olhares de piedade. Não era uma impressão minha, até ouvi alguém falando "coitada, e com filho pequeno". Eu estava ali desfrutando daquele conforto para meu momento delicado, mas na verdade só pensava em como os cadeirantes vivem. Além do "olhar de piedade", a localização abaixo da altura da maioria das pessoas também desfavorece. Nas lojas a minha presença parecia um incômodo: espaçosa, necessitando pedir licença para escolher itens.
Tratar o tema das deficiências ou das diferenças físicas entre as pessoas vai além do exercício da empatia e da acolhida. Nâo podemos ser simplistas e levianos ao falarmos somente sobre as questões de acessibilidade e inclusão. Em nosso dia dia lidamos com as diferenças da maneira mais dura: enfrentando-as. Sequer deveríamos utilizar o verbo "enfrentar", pois precisamos "conviver". Repetimos o discurso de que a diversidade é boa e saudável, mas na prática, os "diferentes" são constantemente testados em nossa incapacidade de lidar com o que não segue os "padrões". A maneira como, conscientemente ou inconscientemente, amenizamos a deficiência com o intuito de compensar a falta de alguma habilidade que a pessoa possa vir a apresentar é um grande desafio.
Na sala de aula, em nossas relações pessoais, no trânsito, no comércio, encontramos pessoas que apresentam suas "diferenças" ou "deficiências", mas na verdade têm o desejo (íntimo ou não) de que não déssemos destaque a esta diferença. Gostariam de ser tratadas como se não carregassem esse "fardo" e tivessem uma "vida normal". 
No aprendizado das pessoas com deficiência as abordagens precisam ser, muitas vezes diferenciadas para proporcionar acessibilidade, será que não prefeririam receber os mesmos trabalhos e avaliações para, perante seus "iguais" desenvolverem as mesmas habilidades? Ou preferem que, pelas mesmas questões de acessibilidade, tenham um tratamento diferenciado e focado em suas necessidades?
Observo que os desejos, os anseios e as vontades desses alunos não aparecem tanto, são velados, exceto seu enorme desejo de interação social. Creio que, ao lidarmos com as diferenças, uma maneira de promover igualdade seria escutar, desnudos de nosso papel de educadores (e vestidos de humanos) os desejos dessas pessoas e como poderíamos ajudá-los a "atravessar a ponte do castelo" ao mesmo tempo que nos ajudam a "tirar a cabeça do buraco". Definir nós mesmos e os outros, pois as diferenças existem e precisam ser debatidas.
Andar de cadeira de rodas é um passeio a uma realidade que dói, que prospera em preconceitos e que vela pensamentos e mitos que só mascaram o que realmente teríamos de escutar: os deficientes.

REFERÊNCIA:
AMARAL, L. A. . Sobre Crocodilos e Avestruzes: Falando de Diferenças Físicas, Preconceitos e Sua Superação. In: Aquino, Júlio G.. (Org.). DIFERENÇAS E PRECONCEITO NA ESCOLA. São Paulo: Summus, 1998, v. , p. 19-38.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

NA TEORIA E NA PRÁTICA

Semana de muitas leituras. Em cada leitura aquela pontinha de projeção para nossa sala de aula, nosso cotidiano, nossas práticas. Voltando o olhar para como entendemos a teoria, se nos sustentamos nela ou se nada nos acrescenta.
Nas comparações entre empirismo, apriorismo e construtivismo, buscamos identificar as condutas que regem cada tipo de teoria. E na prática docente vejo que atuo com diferentes modelos, de acordo com o conteúdo trabalhado. Não sou sempre construtivista, tampouco os demais modelos. Me utilizo de todos recursos que disponho para oferecer aos alunos as "ferramentas" para que cheguem ao aprendizado. No entanto, por vezes, os conceitos precisam ser elucidados, explicados, "passados" aos alunos. Me contradigo, eu sei. Mas nestas oscilações de modos de agir busco tentar alcançar o objetivo da aprendizagem.
Lino Macedo não elimina a possibilidade de utilização do não-construtivismo na aprendizagem. O autor nos proporciona uma comparação direta e exemplificada entre o construtivismo e o não-construtivismo.  Nos provoca ao pensarmos quando podemos utilizar um ou outro. Também destaca que as crianças estão submetidas, por vezes, a lares construtivistas e escolas "não construtivistas". Assim, são caracterizados como estudantes de "escolas fortes", conteudistas, e conseguem desenvolver sua capacidade de pensamento crítico e autonomia na construção do conhecimento. O problema é que há famílias que não conseguem dar todo o suporte das famílias "construtivistas" e estas crianças, tampouco desenvolvem seu conhecimento de maneira crítica e construtivista na escola (que ainda é não-construtivista).

MACEDO, Lino. O construtivismo e sua função educacional. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 25-31,jan./jun. 1993. https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/o-construtivismo-e-sua-funcao-educacional/

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

TODOS OS DIAS, APRENDENDO A ESCREVER

Na aula presencial da semana tivemos uma rica oportunidade de participar de uma Oficina de Produção de Texto com a Professora Ivany Souza Ávila. Nos instigando com o pensamento em "palavras soltas" que se conectaram depois e formaram ideias com contexto, coesas e que transmitiam nossas mensagens. Nos Elucidando que devemos ter confiança nas possibilidades do "escrever", sem ter medo ou bloqueios ao escrever sobre "o que não gostamos".
Escrever também é uma aprendizagem. E na prática da escrita, reavaliamos sempre essa aprendizagem.
Aprendizagem é quando ocorre a apropriação de um conhecimento ou experiência de vida com confrontamento pessoal diante dos fatos anteriores e posteriores ao "aprendizado". Quando temos um relacionamento difícil com a escrita, devemos buscar as ideias e palavras até que se conectem e reflitam o que precisamos expor. O que antes víamos como um "fantasma" torna-se possível através da escrita organizada e praticada afim de se buscar o aprendizado da escrita. Elaboramos um paralelo entre nosso "antes e depois"...assim, nossas elaborações prévias são contrapostas ou concordantes com nossos novos conhecimentos adquiridos, solidificando nossa aprendizagem, de fato. Em outras palavras, não somos !"folhas em branco", algo já temos escrito nas nossas "folhas" em tentativas de explicar nossos questionamentos diante da vida. Quando vivenciamos ou nos deparamos com experiências que corroboram ou confrontam esses "escritos", construímos nossa aprendizagem. Mas o processo de aprendizagem requer uma certa flexibilidade e aceitação, pois precisamos também ter a capacidade de acolher os novos conhecimentos e reformular nossas hipóteses. Caso contrário, não construiremos nada.
Em cada palavra pensada, em cada parágrafo formado e em cada ideia que nosso texto transmite as possibilidades da escrita se ampliam, e nossos horizontes sobre ela também. Aprender a escrever é um exercício: de leitura, de releitura, de argumentação e construção de ideias.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A CRISE DO PENSAR

Professores em crise: vivemos uma contradição permanente, onde o conhecimento tornou-se uma coleção de fragmentos que estão disponíveis para que os sujeitos, que deveriam ter sede de conhecimento integral, conheçam as partes e a partir destes fragmentos exprimam suas opiniões e conceitos sobre os assuntos. Nesta vasta oportunidade de comunicação que temos disponível na internet, a informação fragmentada nos parece bastante razoável ao nos trazer respostas prontas para nossas dúvidas imediatas. Caímos muito bem na rede que foi jogada e agora nos deparamos com um problema que é lidar com toda essa informação. Tanto quanto a informação disponível quanto a necessidade imediatista de nos apropriarmos de conceitos e emitir opiniões sobre eles.
Nas redes sociais, por exemplo, percebemos que as opiniões são deflagradas e muitas vezes defendidas ferrenhamente, em um comportamento hostil que dificilmente as pessoas apresentariam em uma conversa presencial. Também estamos sujeitos à exposição demasiada, onde vemos que a vida pessoal tem suas etapas descritas e publicadas em uma espécie de diário, que exibe com orgulho nossas melhores aventuras.
Em contraponto, também buscamos um sujeito que seja capaz de ter atitude frente ao saber, com humildade para construir seu próprio conhecimento, capaz de reflexão crítica frente ao seu próprio significado de estudar.
Nesta batalha travada, explícita ou implicitamente, vivemos em crise diante de uma sociedade em que "pensar e refletir" é quase uma contravenção. Ter a capacidade de se comunicar e agir de acordo com suas verdadeiras premissas é uma atitude de coragem. Nesta nossa contradição, mencionada de início, vivemos de um modo e idealizamos outro. Daí instala-se a crise de que falo.
E nesta propagação de informações, a uma velocidade espantosa, podemos destacar que há uma sociedade fragmentada e que necessita de uma orientação quanto a apropriação do conhecimento. Neste ponto penso que a crítica de Karnal encontre o "Ato de Estudar" e travem a batalha que é lidar com a informação nos nossos tempos. Enquanto a construção do conhecimento e a reflexão crítica são nosso desejos mais utópicos, a informação pronta e disponível, imediatamente, encontra-se sedutoramente "pronta" para sujeitos que necessitariam, cada vez mais, do exercício do pensar!

REFERÊNCIAS:
FREIRE, Paulo; FREIRE, P. Considerações sobre o ato de estudar. Freire P. Ação cultural para a liberdade. 7ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra, p. 9-31, 1984.
Vídeo de Leandro Karnal: https://youtu.be/crlhoz7IVeY




quinta-feira, 14 de setembro de 2017

QUEM SOU HOJE, QUEM SEREI AMANHA?

 Propus uma reflexão com uma turma de sexto ano do ensino fundamental com a temática "Como sou hoje, como serei amanhã" com o objetivo de abordar não somente as características físicas e como se caracterizam, mas também destacar questões comportamentais, sociais e alterações físicas que observam em sua puberdade. Também com o intuito de destacar a questão dos projetos pessoais futuros. Os alunos receberam folhas em branco e após explicação da atividade fizeram representações suas atuais e como imaginavam seus corpos/ suas vidas no futuro.  A atividade demonstrou, primeiramente, uma dificuldade dos alunos em projetar/ imaginar o seu próprio futuro, questionando-me com frequência “como posso saber o que vou ser no futuro? ” Esse questionamento me angustiou pelo fato de não projetarem seus futuros, uma ausência de projetos de vida. Assim, debati bastante com a turma sobre desejos, atitudes que nos ajudam a alcançar os objetivos e a importância de ter projetos de vida que guiem nossos desejos e metas para o futuro.  Após essa barreira inicial, demonstraram dificuldade em retratar suas próprias características, pois muitos não se sentem satisfeitos com o próprio corpo. Debatemos sobre as transformações que o corpo sofre na puberdade e que eles observassem as mudanças que já apresentam (comparativamente aos anos anteriores). Com a reflexão pessoal, fizeram suas caracterizações atuais e imaginaram outras transformações físicas que sofrerão, mas também mudanças nos aspectos sociais e econômicos que almejam. Em relação às questões de etnia, uma aluna relatou que “vou deixar o corpo em branco porque não tem a minha cor para pintar”. A mesma aluna relatou que “não gosta de seu cabelo” e o retratou diferentemente do que se apresenta.
Outra aluna relatou que “gosto do meu cabelo cacheado” e quer ele maior no futuro. Ao pintar a pele do seu desenho, solicitou o lápis “cor de pele” caracterizando sua pele como rosada. Uma terceira aluna também buscou o lápis “cor de pele”, mas selecionou o lápis marrom. Não pintou sua imagem de “futuro” por falta de tempo para concluir a atividade. Os meninos não relataram alterações físicas tanto quanto as meninas, mas enfatizam suas mudanças em relação a questão econômica (ter dinheiro, ser rico).
Alguns alunos não manifestaram nenhuma caracterização em relação às suas características étnicoraciais. Esta imparcialidade pode significar que este debate precisa ser mais presente entre os alunos, mas também pode ser interpretado como uma negação a essas questões, diminuindo sua importância e relevância em toda sua construção histórica e social.
Os alunos demonstraram gostar da atividade, embora tenha gerado um desconforto inicial que foi acalmado após o debate. Quis realizar a atividade sob o enfoque das transformações biológicas e projeções que fazem para o futuro, mas inevitavelmente as questões étnicas surgiriam
(intencionalmente). Acredito que um desdobramento possível desta atividade seja aprofundar o debate sobre a cor da pele (seu significado biológico e as questões sociais que permeiam este tema), a importância de pensar no futuro (gerando esperança e planejamento nestes jovens) e elucidar sobre as transformações das fases da infância, puberdade e vida adulta. 
Referência: 
BRASIL, Lei LDB. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. MEC/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade–Brasília, 2006.

sábado, 2 de setembro de 2017

BEM VINDO, EIXO 6!


Resultado de imagem para sinal verde


Um novo semestre se inicia. Em cada retorno faço este texto cheio de boas intenções que inspiram para o bom andamento do semestre. Neste não farei diferente e registrarei meus votos. Mas neste semestre percebo que os votos são em busca de maior tranquilidade para que possamos crescer. Fazemos tudo em solavancos, em desesperos, em sustos. Neste espaço, o crescimento e a reflexão ficam inertes perto dos prazos, dos limites e dos tempos que dedicamos para cada coisa que faz a nossa vida girar.
Hoje a temperatura mudou muito. Ontem estava bastante parecido com um dia de verão e hoje estamos, novamente, encasacados. No sinal de trânsito, com os filhos no banco de trás, observamos um homem sentado no chão, com poucas roupas e demonstrando muita serenidade. Não parecia ter frio, não demonstrava incômodo, não esboçava um momento ruim. Apenas segurava nas mãos uma revista. E Ao seu lado uma pilha de revistas. E nos seus olhos, a leitura da revista. E nas nossas mentes "Qual será a história de vida deste homem?"
Como uma pessoa mora nas ruas? Será que tem pais vivos? Esposa, filhos? Será que trabalhava? Será que tinha um cachorro? Onde morava? Quando nasceu? Como era sua vida antes de viver na rua?
Estas perguntas foram feitas por meus filhos, no banco de trás. Que encaravam essa realidade tentando compreendê-la. E fiquei ali, sem respostas para todas elas. Apenas observamos. Abriu o sinal e seguimos.
E neste semestre vou seguir assim, às vezes terei respostas, às vezes seguirei sem respostas. Mas não deixarei de perguntar. E as pessoas que por nós passam, com suas histórias de vida, também não saberemos como chegaram onde estão agora. Talvez conheçamos algumas etapas, mas as histórias são muito complexas. E quando o "sinal abre" a nossa vida segue e ficamos sem as respostas que procurávamos.
Na nossa trajetória de professores/ pesquisadores/ investigadores focamos o olhar e afinamos os ouvidos para as histórias, para as construções e para o crescimento. Buscamos respostas, que muitas vezes, não são encontradas. E oferecemos nosso trabalho como ferramenta para a mudança da realidade, para o crescimento e para a vida.
Quando o sinal abrir, seguiremos. Pensaremos (ou não) nas histórias que cruzam nossos caminhos. Mas não cansaremos de querer saber e tentar responder.