quarta-feira, 17 de outubro de 2018

08/10 BEM DE PERTO

Um dia alguém me disse que eu seria uma ótima psicóloga. Que apenas ao permitir o outro falar, ou ao escutar, já ajudava bastante. Fato é que, numa situação assim não me limito apenas à escuta, mas também faço pequenas intervenções que, nem sempre, são o que as pessoas esperam ouvir. Não meço palavras para agradar, tampouco dar razão para os sentimentos que as pessoas me apresentam, caso eu não concorde. Normalmente respondo com uma pergunta, com uma observação que não fora antes percebida. Acredito que por isso tenham pensado que eu seria uma "ótima psicóloga".
Entre tantas outras observações, um dos fatos que me aproxima muito a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é a possibilidade de ter um contato com a vida desses alunos, possibilitando trocas, reflexões. Com crianças isso também aconteceria, mas o contato com adultos traz essa facilidade, empatia e aproximação das realidades. 
Hoje, somente uma aluna compareceu. Ontem não foi à aula, disse-me hoje que faltou porque estava muito cansada. Sentamos e conversamos, começou a contar sobre seus filhos, seus netos. Tem 5 filhos, uma das filhas é também aluna da EJA. Na verdade, o assunto iniciou quando falávamos sobre a falta de água que ocorreu hoje no bairro. Disse-me que desde cedo já faltava, conseguiu guardar água ao notar que se enfraquecia o fluxo. Mencionou tantos aspectos de sua vida: sua casa, a casa dos filhos, os netos, fotos dos netos. Mencionou que ama muito a todos, que são a razão de sua vida, que são lindos. Nessa história não mencionou o esposo. Quando questionei sobre isso, falou: "sou casada com o mesmo homem há 37 anos, profe!" Conheceu o esposo aos 17, foram morar juntos e casaram-se aos 20. Aí vieram os filhos, entre uma briga e outra: "brigávamos, voltávamos e fazíamos um filho...brigávamos, voltávamos e fazíamos um filho". Disse que depois de tanto tempo casada as coisas já não eram como antes, não há "aquela emoção". Nossa conversa chegou até um ponto em que avaliávamos que os sentimentos vão mudando, e que a atual amizade e cumplicidade, a confiança, são também um amor, um amor de outro jeito, mas amor. 
"Meu marido era terrível: saía do serviço na sexta de noite e só aparecia em casa domingo de noite. Bebia e me batia. Hoje já não faz mais isso, não se mete comigo". Eu a questionei sobre qual "reviravolta" a história deles tinha passado para as coisas mudarem assim. Sei que ela trabalha em uma atividade da qual a filha não se orgulha, tampouco ela. Esconde sua fonte de renda, não gosta de expor. É uma atividade lícita, honrosa e importante, mas ela não gosta de mencionar. 
Acredito que a reviravolta seja advinda de sua atividade econômica, sua parcela no orçamento familiar e na aquisição do respeito, por sua independência econômica. Isso não ficou explícito, pois a mesma não menciona sua atividade. Mas creio que esta seja uma razão muito razoável, dada a situação de submissão econômica e social que, muitas mulheres, sofrem pela dependência econômica e afetiva do marido.
Hoje, ao explicar a atividade que trabalharíamos, após breve contato com a tarefa disse: "não vou conseguir fazer isso, profe" Eu a enalteci e disse: "quem tem um casamento de 37 anos, consegue qualquer coisa!" Rimos juntas. E no final da aula ofereceu de presente (sim, foi um enorme presente ouvir isso): "nunca imaginei que faria este tipo de continhas, agora estou aqui fazendo, quarenta anos atrasada!" 
"Nem "atrasada" nem incapaz, minha amiga. Tua presença aqui, na escola, buscando tua mudança é um ato de muita coragem. És mais forte do que imaginas!".
Como eu disse antes: não poupo palavras para agradar ou discordar. As vezes digo o que as pessoas não querem ouvir. Hoje disse o que a pessoa PRECISAVA ouvir. Bem de perto, palavras vindas de quem está nos bastidores da transformação, observando de camarote a história dar mais uma "reviravolta".


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

15/10 DIA DOS PROFESSORES



Nesta data querida quero desejar muitas felicidades e muitos anos de vida aos profissionais que atuam na Educação. Quase uma profissão de risco, atualmente, pelas questões morais que desafiam nossa saúde mental, mas também pelas questões financeiras. Ser professora neste país requer talento, vontade e crença na possibilidade de mudar o futuro. Para ser professora não precisa dom, não precisa vocação. Definitivamente, não se trata de um sacerdócio. Precisa ter cérebro. E com este cérebro, ter vontade de aprender, para assim, poder ensinar. E ter vontade, todos os dias, de se reconstruir, de se reinventar.

E já atuante em Educação, continuo estudando sobre Educação. E sigo me questionando e me abalando com as questões que cercam nossa prática. Como nossa formação segue estanque em um mundo que mudou demais para seguirmos do jeito que sempre foi? Em como não estamos tão dispostos assim a rever e ousar em métodos educacionais e formação de professores que sejam condizentes com os humanos que temos hoje em sala de aula, com muitas outras questões além do currículo que precisamos abordar.

"...em nosso tempo pouco se tem feito para qualificar o professor à altura da complexidade que nos cerca. Há quatro décadas, Anísio expressou sua sincera inquietação. No entanto, temos que dar nossas mãos à palmatória da sua crítica mais veemente, e repetir: “ainda não fizemos em educação o que deveria ser feito para preparar o homem para a época a que foi arrastado...”; “na educação comum do homem comum os progressos são os mais modestos” (SILVA 2018).

Ainda estamos presas, em um curso de graduação, ao preenchimento de planejamentos detalhados que nortearão nossa prática mais do que estabelecida. 
Ainda estamos presas aos domínios da classe dominante. 
Ainda estamos sujeitos aos mandos e desmandos de pessoas que pouco entendem de Educação. Ainda estamos carentes de tantos recursos, desde recursos básicos até os mais urgentes e tecnológicos. 
Ainda somos chamadas de doutrinadoras, contraventoras.
Sim, pouco temos para comemorar. Temos mais a chorar. E o futuro não está sendo muito gentil com nossa profissão, parecendo que estamos à beira de um colapso e geração de uma desigualdade maior ainda do que a que já vivemos.
E, finalmente, hoje não deveria ser o Dia dos Professores. Hoje é o DIA DAS PROFESSORAS. Somos maioria. E isso, deveria ser importante, sim!


Referência

SILVA, Marco. De Anísio Teixeira à cibercultura: desafios para a formação de professores ontem, hoje e amanhã. Boletim Técnico do Senac, v. 29, n. 3, p. 30-41, 2018.


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

01/10 A ESTAGIÁRIA EM AÇÃO


Nesta segunda semana de estágio, e de bastante cansaço, e de muitas tarefas pendentes em diversos âmbitos da vida, minha autoestima não é mais a mesma. Neste processo de adquirir uma ocupação extra em minha rotina, a qual não incluo minhas horas de trabalho, aprecio o processo de desestruturação psicológica. Além disso, a conjuntura externa da nossa sociedade não contribui muito para nossa confiança como antes, estamos em franco fogo cruzado de ideias totalmente opostas, conflitantes e que ameaçam uma série de construções que tínhamos como humanos, como cidadãos, como brasileiros.
Mas, ademais estes fatos, nesta semana propus uma atividade para os alunos da turma em que estagio, uma T3 EJA, correspondente ao quarto ano. Nesta atividade, construiriam uma ilustração de um poema do autor que é trabalhada neste ano na escola. Discutimos sobre o conceito de ilustração, modos de ilustrar, materiais diversos que são utilizados e a importância da ilustração em uma obra, complementando o trabalho literário.
A questão é que os alunos, mesmo compreendendo o poema, mesmo conhecendo ilustrações, mesmo imaginando o que gostariam de ilustrar, repetiam diversas vezes: “mas não está bonito”, “mas não sei fazer”, “está bom assim?”. O tempo todo minha posição era de encorajamento, ressaltando que a ilustração era um trabalho muito particular e que não haveria “feio ou bonito”, “certo ou errado”. Naquele momento era cada um expressando seu sentimento sobre o poema através da imagem construída.
Observo que as questões de confiança e apreciação de si mesmo são bastante presentes entre estes alunos, muito mais evidentemente marcantes do que os alunos das turmas regulares, os quais já observava isso. A auto-estima e autoconceito são indubitavelmente um dos assuntos que circundam hoje a educação brasileira. Autoconceito e a auto-estima refere-se à representação da avaliação afetiva que a pessoa tem se suas características em um determinado momento. O autoconceito é a percepção que a pessoa tem de si mesma. Já a auto-estima é a percepção que ela tem do seu próprio valor (ALVES 2009).
Assim, vejo que neste momento posso observar melhor estas questões que cercam a disposição dos alunos para se verem como merecedores de respeito e vitoriosos de ali, naquelas classes à noite, estarem em busca de novos horizontes para si. Tantas histórias os trouxeram e tantas histórias os afastaram da escola. E agora, deveriam ter uma autoimagem muito fortalecida, pois superaram a primeira barreira: estar ali. E não percebem isso, infelizmente.

REFERÊNCIA
ALVES, L. M. S. A. Intervenção psicopedagógica: auto-estima e a dimensão afectiva entre professores e alunos. In: Actas do X Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia. 2009. p. 4486-4496.