Se fosse sempre possível,
escolheria realizar todas as minhas tarefas com amor, com afeto, com atenção ao
sentimento alheio. Sei que a maioria dos meus atos não são assim. No atropelo
dos nossos prazos e horários, na inconstância dos nossos próprios sentimentos,
na pressa pelos resultados e definições, a objetividade e a rispidez podem
tomar conta das nossas falas, das nossas atitudes e, principalmente (e
egoisticamente) de nossos pensamentos.
E mesmo que tivesse
disponibilidade para sempre escolher o caminho do afeto, pensaria sempre antes
de agir assim, descaracterizando o afeto verdadeiro, que prescinde da
naturalidade e sintonia entre as pessoas.
Mas não posso ser assim tão
negativa quando recebo, constantemente, manifestações singelas e espontâneas dos
meus alunos. Quando o ano letivo já se desenrola e nossos laços já
estabelecidos, quando já nos conhecemos, podemos estabelecer relações de afeto
verdadeiro, de confiança com os alunos, de acolhida (reciproca).
Paulo Freire, em seu livro
Professora sim, Tia não (1997), afirma a importância dos componentes afetivos e
intuitivos na construção do conhecimento. Diz que “...é necessário que evitemos
outros medos que o cientificismo nos inoculou. O medo, por exemplo, de
nossos sentimentos, de nossas emoções, de nossos desejos, o medo de que ponham
a perder nossa cientificidade. O que eu sei, sei com o meu corpo inteiro: com
minha mente crítica, mas também com os meus sentimentos, com minhas intuições,
com minhas emoções. O que eu não posso é parar satisfeito ao nível dos
sentimentos, das emoções, das intuições. Devo submeter os objetos de minhas
intuições a um tratamento sério, rigoroso, mas nunca desprezá-los.”
Quando o afeto se manifesta
na chegada da aula, despretensiosamente, com um abraço e com um “gosto tanto da
senhora”, significa que ali o laco está feito, que podemos continuar na mesma vibração.
Que em muitos, ou poucos, o afeto chegou e que o trabalho pedagógico pode ter
um resultado muito mais satisfatório.
Eu tenho meus escudos
naturais contra o afeto desmedido. Confesso que sou muito racional e que
gostaria de ser diferente. Eu, ainda, penso se o momento aceita um
posicionamento mais afetivo. Eu estou em construção. Mas, acreditem, já melhorei
bastante neste quesito e recebo com muito carinho o afeto...o que considero um
bom começo neste processo todo.
Com atenção e acolhida,
nossa percepção do mundo se torna bem mais otimista e nossos problemas podem
(mesmo que por algumas horas) tornarem-se desimportantes para que a
aprendizagem flua, se construa. Escola é conhecimento, mas é também amor.
FREIRE, P. Professora sim,
tia não: Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d'água, 1997b.