segunda-feira, 23 de abril de 2018

23/04 BANDO DE ANALFABETOS LETRADOS


Se por um lado o nosso sistema educacional e social (com todo nosso contexto sócio-econômico-político) tende a valorizar a educação e os benefícios que traz para uma sociedade, vemos de outro que os modos de produção tendem a perpetuar a infeliz desigualdade que embasa essas relações. Indiscutivelmente tivemos avanços, sim. Indiscutivelmente mantemos (socialmente) ciclos que tem suas origens desde nosso entendimento como nação.
Não estamos somente sob o efeito da desigualdade educacional em termos de “analfabetos x alfabetizados”. Estamos em uma desigualdade que transcende esta parte (sob este aspecto) meramente funcional. Estamos em uma desigualdade de compreensão geral sobre as questões do mundo, nosso papel diante da sociedade (nosso papel individual e coletivo). Estamos tão carentes de construções sólidas e críticas sobre os desdobramentos de nossas ações políticas e sociais que beiramos um colapso semelhante a uma manada cega que se direciona para o abate.
Se por um lado precisamos combater as ideias opressivas e manipuladoras, do outro precisamos construir possibilidades pedagógicas que aproximem nossa prática, cada vez mais, de aspectos empoderadores sobre nossos alunos e comunidade, emancipatoriamente. Como citado no texto, “o pedagógico deve tornar-se mais político e o político, mais pedagógico” (GIROUX, 1990).   
Estes conceitos “emancipação” e “empoderamento” soam positivamente e negativamente em nossos meios sociais. Há quem pense que estes conceitos se relacionam com a rebeldia, com a desestruturação social de modo anárquico e até “comunista” (destaque-se aqui o grande temor social que percebemos nestes conceitos).
 Emancipar e empoderar lembra e remete a “permitir pensar, analisar e agir”. Assim entendemos porque estes conceitos despertam tantas controversas opiniões na sociedade. Positivamente, temos nestes conceitos um embasamento de sobre o que mais precisamos em nossa educação, principalmente nas camadas mais populares. É indissociável, nestes conceitos também, a democracia. Uma democracia em suas raízes, radical neste sentido (não radical no sentido que a sociedade dominante tanto “teme”). Na verdade, as classes dominantes sempre temem a democracia em todos seus sentidos, imaginamos. Exercer poder requer um dominante e um dominado, e isso não está de acordo com o conceito democrático que pensamos aqui neste texto. A emancipação social e a alfabetização emancipatória prescindem da possibilidade de direitos igualitários e justiça social, o que vemos que é uma ameaça aos sistemas que se apresentam. Nossa luta cotidiana é vagarosa e constante, é enraizada e fundamentada em uma utópica sociedade com menos desigualdades, com mais possibilidades, com menos dominação e mais participação.
Queremos uma nação verdadeiramente democrática, crítica e emancipada. No entanto, vemos que a contramão do progresso como sociedade se instala todos os dias, pouco a pouco, podando nossos pequenos frutos conquistados com tanto esforço. O retrocesso que estamos passando tende a ter efeitos muito negativos, danos que demorarão um longo tempo para serem sanados. 
                 
REFERÊNCIAS

GIROUX, Henry. Alfabetização e a pedagogia do empowerment político. FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 1-27, 1990.


segunda-feira, 16 de abril de 2018

16/04 QUEM É VOCÊ

Tenho lido bastante. Muitas leituras que investigam meus questionamentos sobre a questão da identidade ou autoimagem das crianças e adolescentes. Como professora de pré-adolescentes e adolescentes, ouço e vejo, todos os dias, alguns deles manifestando posições negativas sobre suas pessoas. Isso ocorre tanto no sentido físico (corporal) como no sentido intelectual social e no que abrange suas capacidades. Como entusiasta que sou, sempre rebato esses pensamentos. Eles percebem a importância do que falo, mas não se convencem de que a imagem positiva que eu destaco pertença a eles.
Hoje me subsidio no artigo "Desenvolvimento do auto-conceito físico nas crianças e nos adolescentes" (FARIA,2005) onde estas questões são muito bem tratadas e explicadas. Em diversos momentos da leitura identifiquei meus questionamentos e a problemática que identifico entre os alunos.
Percebo que quando se descrevem, muitos jovens trazem indícios que extrapolam suas características físicas, denotando que apresentam um certo amadurecimento que possibilita extrapolarem suas questões descritivas das questões concretas para as questões abstratas também: seu rendimento escolar, ansiedade, resultados nas práticas esportivas e questões familiares. Assim penso que, quando se caracterizam fisicamente negativamente, incluem esses outros fatores em suas descrições, complementando um quadro generalizado de baixa autoestima ou estigmatização. A aparência física, ou domínio físico, é a maior contribuição na definição da auto-imagem nas crianças e adolescentes contribuindo diretamente como fator de ajustamento psicossocial do indivíduo. Posteriormente desenvolvem conceitos em diferentes domínios: como filhos, como alunos, como colegas, namorados, atletas. E depois dessa segmentação inicia-se a formação de um self único, que englobe esses papéis, em um processo de introspecção, questionamentos e formação de hipóteses sobre si mesmos (HARTER, 1993).
Resultado de imagem para adolescente esporte
Assim, as questões de participação em modalidades esportivas torna-se um fator bastante forte de investigação entre os alunos, já que não havia antes pensado nesta alternativa de alteração das percepções, ou de constatação de benefícios desse domínio entre adolescentes que não apresentem imagens negativas sobre si mesmos.
O artigo contribui fortemente para minha reflexão de alternativas de mudanças de perspectivas entre esses jovens:
"Portanto, e em síntese, podemos afirmar que quanto mais profundo for o conhecimento do sujeito acerca da sua competência e aparência físicas, mais fácil se torna a auto-avaliação das suas potencialidades e limites, logo, mais fácil se torna a mudança e o reconhecimento do valor pessoal neste domínio: assim sendo, a prática de atividade física pode alterar o auto-conceito físico num sentido positivo, influenciando, neste domínio, a motivação, a persistência e a concretização de objetivos pelos sujeitos". 
Sigo investigando e pensando, pois que o assunto me convida fortemente a refletir diariamente com os alunos. Ter a questão de investigação em frente aos olhos, ao alcance "das mãos" é um tesouro que não pode ser desprezado.



REFERÊNCIAS:
FARIA, Luísa. Desenvolvimento do auto-conceito físico nas crianças e nos adolescentes. Análise Psicológica, v. 23, n. 4, p. 361-371, 2005.
HARTER, S. Self and identity development. In S. Shirley Feldman, & Glenn R. Elliott (Eds.),  At the treshold. The developing adolescent (pp. 352-387). 1993.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

09/04 PROFESSOR TAMBÉM É GENTE

Nem só de aulas ou didática que sobrevivemos, professores! Sobrevivemos à nossa rotina, que às vezes é muito tensa, também com aproximação, com troca, com escuta. E tentamos, muitas vezes nos "aproximar" dos alunos pelo nosso conhecimento, por nossas habilidades, com muita ânsia de "ensinar". E na verdade podemos nos aproximar com uma conversa simples, um conto de história, uma demonstração de nossa realidade.
Sei que os alunos nos idealizam, nos colocam em uma posição distante, como se nossas vidas fossem muito distantes da deles. Sei que imaginam que não passamos por situações que passam, ou por conflitos, ou por situações engraçadas. A prova viva disso é quando encontramos um aluno fora da escola: a reação tradicional é de espanto, como se o aluno pensasse "Nossa, a professora gosta de passear no parque!". Enfim, hoje vi olhos e ouvidos atentos quando eu contava um "causo" ocorrido hoje. Percebi que a turma não estava muito receptiva para a aula e nossas tradicionais discussões sobre o conteúdo e iniciei o desabafo. 
Fui surpreendida por um senhor que me empurrou no supermercado quando a caixa ao lado da que esperávamos a fila anunciou que o próximo poderia passar. A próxima era a senhora que estava em minha frente. Ele, bruscamente se dirigiu me empurrando e retrucando quando eu me manifestei contra aquele ato. Ficamos todos abismados com a incoerência do senhor e meu ânimo se alterou. Por isso contei aos alunos, contando com a opinião deles sobre o fato e discussão das condutas corretas. 
Muitos disseram que tive uma postura "muito educada", que deveria ter "mandado o cidadão para aquele lugar", que deveria ter chamado o gerente, que deveria ter tirado as compras dele do caixa. Foi divertido ouvir as contribuições. 
Disso tudo tive uma aula subsequente como há muito tempo não tinha, com participação, com atenção, com empatia, com muitas trocas. Disso tudo, também, aprendi que a percepção dos alunos sobre os professores é idealizada, não imaginam seus professores nestas situações cotidianas, muito menos de conflito. Ficaram espantados.
E, finalmente, disso tudo aprendi que em situações em que haja erro de alguém, dificilmente as pessoas se manifestam a favor dos menos favorecidos, mesmo que o erro seja notório e a repreensão seja possível. E isso também foi pauta do aprendizado com os alunos, isso também foi discutido. Perceberam que estamos diante de muitas coisas erradas e "ninguém faz nada".

segunda-feira, 9 de abril de 2018

02/04 REVISITANDO O PASSADO

O aprendizado da semana foi o mais árduo dos últimos tempos. Vínhamos aprendendo pouco a pouco, mas quando a ação se concretiza vemos que nossa força se esvaiu, de fato. Vimos nossa democracia se desfazer e nosso senso de justiça foi colocado à prova, nos fazendo desacreditar em um sistema que julgue seriamente os crimes e que julgue também os não-crimes. Toda essa atmosfera de ódio e intolerância que enfrentamos nos coloca à disposição de manipuladores de ideias, à mercê de opiniões formadas massivamente e com interesses obscuros e que tolhem, sem dúvida, nossos direitos como nação, como cidadãos, como humanos.
Em análise neste momento estudamos a história da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nesta retrospectiva vemos que os estudantes que necessitam/necessitaram desta modalidade são vistos como estudantes que não despertam a seriedade de investimentos que a Educação preconiza. Ofertada inicialmente aos trabalhadores para formação de mão de obra qualificada para o trabalho industrial no Brasil, a EJA se configurou como política pública educacional nos anos 40, em uma época que o país
precisava pensar urgentemente em propostas alfabetizadoras para a população adulta.
Em 1958, no governo de Juscelino Kubitscheck desenvolveu-se o entendimento de que a educação ofertada a esse alunado lhe possibilitaria melhores condições de vida. Nesta mesma época ganhou visibilidade Paulo Freire, propondo um processo educativo que fosse construído – e não dado – juntamente com os estudantes. Tal processo não contemplaria a escolarização como fim, e sim como início, uma vez que a educação seria um instrumento de mobilização social, possibilitando o desenvolvimento da consciência crítica dos aprendizes. 
Crédito: Francisco Proner Ramos
Em 1964 a Ditadura brasileira representou um volver na história da EJA, perseguindo duramente o educador Paulo Freire pelo governo ditatorial, acusado de disseminar ideias contrárias e anárquicas ao regime político da época. Ideias como levar o educando a uma conscientização sobre a realidade, estimular o seu pensamento crítico e fazê-lo refletir sobre o seu lugar numa sociedade marcada pela divisão de classes sociais eram, de fato, ameaçadoras ao plano de governo dos militares. Extintos estavam, então, os programas de educação de adultos de cunho popular.
Entre 1965 e 1967, a taxa de analfabetismo entre a população adulta brasileira era preocupante, estimava-se que aproximadamente 40% dos brasileiros não sabiam, sequer, assinar o próprio nome. Estava estabelecido um cenário bastante favorável para a instalação da desejada hegemonia da política vigente. Nesta ideologia, a alfabetização serviria somente para inserir as pessoas no mercado de trabalho, para que contribuíssem para movimentar a economia do país. A fim de erradicar o problema do analfabetismo, o governo, então, elaborou o seu próprio projeto, o Movimento Brasileiro de Alfabetização – O MOBRAL. Idealizado desde 1967, ainda no governo do general Costa e Silva, sua consolidação se deu somente em 1969, no governo Médici. Após inúmeros decretos, ficou decidido que a presidência do MOBRAL seria nomeada pelo então Presidente da República, instrumentalizar o aluno a decodificar letras e números, sem se comprometer com o desenvolvimento político-social do educando.O cidadão recém-alfabetizado, geralmente oriundo de classes populares, continuou servindo como mão de obra pouco qualificada para classes mais abastadas da sociedade. Com a diferença de agora passar a participar do mercado de trabalho formal.
Muitas outras fases se sucederam na história da EJA. Hoje como um plano que estabelece como prioridade a erradicação do analfabetismo, estipula como meta aumentar o nível de escolaridade das pessoas adultas, sobretudo na faixa de 18 a 24 anos e destaca a necessidade de acrescentar a qualificação profissional à formação escolar do aluno jovem e adulto.
Nesta breve visita ao passado, vejo o presente. Com olhos atentos e tristes, pessimistas também. Sob a mira de um cenário político que não incentiva os cidadãos a refletirem sobre suas práticas, que tende a fortalecer um mercado mecanicista e que desvaloriza o saber, o senso crítico e a mobilização social, vivemos quase amedrontados. Sim, infelizmente, acuados.
Os acontecimentos políticos refletem diretamente nos programas sociais do país, as situações se refletem nas esferas mais frágeis, o povo que mais necessita sofre com mais penalidade as mudanças governamentais que não incentivam o desenvolvimento social, muito menos seu desenvolvimento como cidadãos.